Para ministra, lixo e esgoto também são desafios ambientais
A bióloga Izabella Teixeira, 49 anos, fala rápido e lança questões dentro das próprias afirmações. Especialista em avaliação ambiental estratégica, a ministra do Meio Ambiente repete várias vezes a expressão "ampliar o debate" ou "construir a agenda", traindo a base técnica de quem tem doutorado em planejamento ambiental. Talvez por isso, e por lembrar que 80% da população brasileira vive em zona urbana, Izabella mire as cidades em sua gestão. "Lixo e esgoto são dois dos principais problemas ambientais deste país", diz, ao lembrar também que é preciso dar novo desenho à dinâmica de mobilidade das cidades brasileiras. Fala, emocionada, da invisibilidade dos catadores de lixo em um País campeão de reciclagem, mas que não os enxerga nem reconhece nas políticas públicas. "Eles, os catadores, são verdadeiros ecologistas de plantão."
A reportagem e a entrevista é de Daniela Chiaretti e publicada pelo jornal Valor, 12-01-2011.
Nascida em Brasília e funcionária de carreira do Ibama há 26 anos, Izabella fala em consenso e convergência. É assim que enxerga as políticas de clima e de biodiversidade, de recuperação de áreas degradadas a partir de estudos de viabilidade econômica, das políticas ambientais em harmonia com as de desenvolvimento. "Caso contrário", vaticina, "cada um vai para um lado."
Braço-direito do então ministro Carlos Minc, assumiu a pasta em abril de 2010, quando ele deixou o MMA para lançar a campanha a deputado estadual no Rio de Janeiro, e foi confirmada no cargo pela presidente Dilma Rousseff. Sem o espírito midiático do antecessor e muito diferente da personalidade inspiradora de Marina Silva, a nova ministra fala em diálogo: "O Ministério do Meio Ambiente tem que ser um ministério facilitador, que formule políticas com outros parceiros. Nós não fazemos nada sozinhos", explica em frase-síntese da marca que quer imprimir à sua gestão.
Ela parece também querer dar ares internacionais ao ministério, acompanhando a estatura que o país começa a assumir. Diz que o Brasil tem que liderar a pauta de florestas no mundo e que, aqui dentro, há que se pensar no aumento das áreas protegidas no mar. Enxerga os outros países amazônicos como parceiros e pretende trabalhar projetos em comum. Passou o último dia do ano reunida com uma delegação chinesa, falando sobre planejamento estratégico dos recursos hídricos. Tem na mesa um projeto que lhe é particularmente caro e está discutindo com o Ministério do Desenvolvimento Agrário - dar destino nobre ao enorme volume de madeira ilegal apreendida na fiscalização do desmatamento. Ela pretende articular um programa de construção de casas aos povos da floresta, que não vivem em habitações de alvenaria. "A partir do crime ambiental a gente traz cidadania ambiental", imagina.
Eis a entrevista.
Quais são as suas prioridades neste início de gestão?
Na agenda ambiental é meio complicado dizer onde priorizar. Melhor pensar o que é estratégico.
Qual será a sua marca no ministério?
Quero mencionar quatro ou cinco coisas que serão importantes na gestão. O Brasil tem uma importância estratégica no cenário internacional nas questões ambientais. É um líder e tem que assumir essa liderança não só no setor público como no privado. Temos que atuar entendendo quais as implicações dos grandes debates econômicos e sociais do planeta nas questões ambientais. E não ficar restritos aos fóruns tipo conferências, mas participar de reuniões que sejam importantes.
Por exemplo...?
Se há uma discussão relevante em fóruns econômicos, ou em relações bilaterais, com a Alemanha, Portugal, China, é fundamental que o ministério participe com uma agenda sólida de debate e interlocução.
No dia 31 de dezembro, a senhora se reuniu com uma delegação chinesa. Qual a pauta?
O chefe da delegação era o ministro dos Recursos Hídricos da China e nós fechamos um entendimento de cooperação em recursos hídricos. Aliás, temos muito interesse na cooperação ambiental com a China.
O que isto significa?
Cooperar na experiência de gestão estratégica e de riscos no planejamento de recursos hídricos, e no uso desses recursos, em particular para a geração de energia. Nós fizemos o plano estratégico do Araguaia-Tocantins, por exemplo, em que se prevê a conciliação do uso múltiplo das águas com a agenda do desenvolvimento. Os chineses têm interesse nisto.
Eles têm interesse no jeito em que a gente faz esses estudos?
Na maneira em que a gente faz, na formação e qualificação de quadros, na troca de experiências e de tecnologias.
E como é que vocês fazem? Olham a bacia hidrográfica e estudam seu uso?
A Agência Nacional de Águas faz os planos estratégicos das bacias hidrográficas do país. Estamos discutindo agora, por exemplo, a margem direita do Amazonas. Planejamos, em função dos vários usos, sugerimos os limites e damos diretrizes de como aquilo pode ser usado. Já estão ali as usinas hidrelétricas desenhadas e as futuras. No caso do Araguaia-Tocantins, a reflexão que fizemos em relação à importância da biodiversidade local, do turismo, do abastecimento, do uso para irrigação e para a pecuária levou o presidente Lula a decidir excluir o Médio Araguaia de qualquer aproveitamento hídrico com relação à geração de energia.
E é nesse tipo de coisas que os chineses estão interessados?
Estão interessados no uso de instrumentos como esse para tomada de decisão. Também estão interessados no nosso monitoramento de vulnerabilidade a enchentes.
A senhora tem dito que tem uma agenda imensa de trabalho. Por onde começar?
Na pauta da biodiversidade, temos um desafio monumental de trabalho para os próximos dois anos, no pós-Nagoya, com vistas à CoP-11, na Índia, onde vamos discutir os recursos financeiros necessários. Até lá pretendemos ter consolidado nossas áreas protegidas, mas também pensado na sua expansão, especialmente nos ecossistemas marinhos e costeiros, onde está nossa maior deficiência. As metas de Nagoya recomendam que se tenha 17% de áreas protegidas nos ecossistemas terrestres e 10% nos marinhos. No mar nós só temos 1,5%.
Temos que discutir onde fazer estes parques?
Onde, como, se são só parques, se podemos conciliar usos, como potencializar recursos. Vamos ter que discutir com toda a sociedade. Aí tem a convergência de biodiversidade com a agenda de clima. Temos que pensar onde podemos estar mais vulneráveis, onde está o risco. Sem falar nas florestas, que é um tema absolutamente estratégico para o Brasil. Somos o país com a maior extensão de florestas do planeta e temos que ter liderança nessa agenda. Precisamos pensar não só na conservação, mas na recuperação de áreas degradadas com uso econômico de maneira sustentável. Temos que pensar quais as áreas degradadas deste país e qual a economia que podemos associar a elas.
Qual é esta área, quanto temos de áreas degradadas?
Esse número é um mistério. Já ouvi desde 20 milhões a 60 milhões de hectares. Cada um diz uma coisa porque cada um tem um conceito sobre o que é área degradada. Aqui temos que ter a visão da expansão da infraestrutura no Brasil para pensar em custos e competitividade. Podemos ter área degradada onde não se consegue implantar nada porque não se consegue transportar.
Está longe de tudo?
Porque ali as estradas deixaram de existir ou transportar por estradas não é a melhor via. Qual é o modelo? São vários, não há um único. Mas é claro que em um país com esta extensão e que, no cenário mais conservador, tem 20 milhões de hectares de áreas degradadas, não tem sentido desmatar e perder biodiversidade. Se tivermos uma reflexão de natureza estratégica e econômica, poderíamos construir ali, a médio prazo, situações que chamamos de win-win. Temos que ver qual é a lógica de mercado, que mercado queremos induzir nessas áreas e cruzarmos com as questões sociais. Um exemplo disso é o exitoso projeto de óleo de palma, em escala menor, que o presidente Lula lançou em 2 milhões de hectares no Pará, em 2010. Queremos mostrar que é possível incrementar a produção agrícola, da agroecologia, da agricultura familiar, ter floresta plantada, ter incremento tecnológico e não provocar desmatamentos.
Isso na Amazônia...
No Cerrado ou até na expansão urbana. Um exemplo que acho fascinante foi o que aconteceu no Rio, com a Ingá Mercantil, que faliu na baía de Sepetiba. Cada dia que chovia no Rio de Janeiro a gente achava que aquilo podia romper e contaminar de metais pesados a baía, era um enorme passivo ambiental. Fizemos um arranjo econômico, houve um leilão, aquilo está sendo modernizado. Não tive de abrir novas áreas e recuperei a baía. Quando a gente fala de área degradada não é só rural. Isto é importante, 80% da população do Brasil é urbana. Temos que discutir a qualidade ambiental urbana. Vamos resgatar, com o Ministério das Cidades, a pauta das cidades sustentáveis. Tem muito o que debater, as áreas protegidas nas áreas urbanas, que pouco se fala no Brasil, por exemplo. Não discutimos qual é o processo de expansão das cidades nos diversos biomas. A dinâmica de expansão das cidades na Amazônia não é a mesma da dinâmica de expansão de cidades no Centro-Oeste ou no Sudeste.
Cidades sustentáveis? O que tem em mente?
Temos que trabalhar a mobilidade nas cidades e a poluição do ar associada a isso, e ainda, relacionar com um tema maior, que é o clima. Precisamos dar coerência às políticas ambientais. É importante que tenham coerência e convergência com as políticas de desenvolvimento. Caso contrário, cada um vai para um lado. Há uma pauta riquíssima em saneamento, em resíduos sólidos. O cidadão brasileiro tem que se apropriar da temática ambiental além da fronteira da fiscalização e do licenciamento. Isso tem a ver com a qualidade de vida dele, principalmente de quem vive nas grandes cidades
O que quer dizer?
Tem que compreender que é parte da construção dessas soluções. Fizemos uma pesquisa em 2009 sobre produção e consumo sustentáveis, que mostra o que as pessoas pensam sobre meio ambiente. A reciclagem, todo mundo acha ótimo, é surpreendente. Em 11 capitais, em todos os perfis de renda, todos concordam que a reciclagem é um passo estratégico para o ambiente. E quando se pergunta quais são os atores responsáveis pela reciclagem, 63 % apontam os catadores. Mas não se fala qual é o papel do catador nas grandes cidades brasileiras. Se os tirarmos das ruas, e eles são 800 mil, quanto temos que adicionar de serviço público? Essa é uma pergunta que nunca ninguém faz. Há um grande preconceito social em relação ao catador, as políticas públicas não o enxergam, não se inclui o catador na economia formal, as prefeituras não os remuneram. E isso é um desafio, reconhecer esses ecologistas de plantão. Sem falar que temos pela frente uma grande provocação.
Uma provocação? Qual?
Os grandes eventos que o Brasil vai sediar nesta década. Temos a Rio +20, a Copa, as Olimpíadas. São grandes intervenções que vão falar de temas ambientais. Vamos falar de sustentabilidade olhando para o futuro. Somos um país urbano.
Mas algum dia vamos enxergar que as estradas da Amazônia são os rios?
Temos que enxergar. As culturas locais têm que ser respeitadas. Vamos trabalhar com as populações tradicionais, com os assentados, em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Agrário. Temos um projeto de habitação rural que leva em conta que eu tenho 1 milhão de metros cúbicos de madeira apreendidos. Quero transformar isso em casas de madeira para populações tradicionais e assentados. Vamos ver se é viável e fazer. Temos responsabilidades com esse pessoal, eles cuidam da floresta para a gente e o Ministério do Meio Ambiente não cuida só da fauna e da flora. Assim, a partir do crime ambiental a gente traz cidadania ambiental, na forma de casas dignas para as populações extrativistas. E respeita a sua cultura. Eles não vivem em casas de alvenaria.
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