quarta-feira, 7 de julho de 2010

“A camiseta celeste tem muita energia”

Gerhard Dilger (*)

Em entrevista ao jornalista Gerhard Dilger, correspondente para a América do Sul do jornal "taz, die tageszeitung", de Berlim, Eduardo Galeano fala sobre o Mundial de Futebol da África do Sul, o desempenho sulamericanos frente aos europeus e as chances de seu Uruguai. "Não sei se chegará á final, mas volta a ser milagrosamente certo que um país com menos habitantes que um bairro de Buenos Aires pode ser capaz de conquistar o troféu mundial. Festejamos isso, os poucos que somos, porque o Uruguai é um país muito futebolizado e aqui todos os bebês nascem gritando goooooool!!! A camiseta celeste tem muita energia dentro", diz Galeano.

Dom Eduardo, quem será campeão deste mundial – e por quê?

Sou um péssimo profeta. E além disso, para completar, te confesso que não quero conhecer o futuro. Quando uma cigana pega a minha mão e me oferece lê-la, eu rogo: “Senhora, por favor, não seja cruel”. Eu não quero saber o que ocorrerá, nem sequer pressenti-lo, por que o melhor da vida está sempre esperando à volta da próxima esquina. E te acrescento algo mais: por sorte. Os prognósticos falham. O tempo brinca com quem pretende adivinhá-lo.

Qual sua opinião sobre a equipe alemã?

Assombrosa. Tem a força e a velocidade dos velhos tempos, mas uma elegância e uma alegria que talvez seja o aporte de tantos jovens incorporados em suas fileiras, em sua maioria imigrantes ou filhos de imigrantes. No futebol, como na vida, a mestiçagem melhora.

Por que os argentinos não conseguiram, finalmente?

Eles brilharam em várias partidas da Copa e agora se foram, humilhados por uma goleada. Isso me entristece, ainda que a vitória alemã tenha sido totalmente justa. Em que falhou a Argentina? Obviamente não cuidou do meio campo, faltou articulação entre a vanguarda e a retaguarda e Messi foi limpamente bloqueado, na boa lei, pela defesa alemã. Talvez isso tenha algo a ver com a “messidependência”. Quando há um jogador de qualidade tão extraordinária, inevitavelmente se produz uma realidade assim. De todos os modos, diga-se de passagem, Messi jogou, durante toda a Copa, muito melhor do que outra superestrela, Cristiano Ronaldo, que esteve no Mundial mas ninguém viu.

Pele disse que Maradona não é um bom técnico: Está de acordo?

No futebol atual, o treinador desempenha um trabalho insalubre. Altamente tóxico, eu diria: é o bode expiatório das derrotas, e o mesmo povo que o eleva aos céus, num momento, o expulsa para o inferno logo em seguida. Há alguns anos, as pessoas sequer sabiam qual era o nome do treinador, que depois passou a ser chamado de diretor técnico.

A grande maioria das estrelas sul-americanas está jogando na Europa. Há chances de que essa exportação de recursos futebolísticos seja revertida?

Não. Nós, dos países do sul do mundo, seguiremos exportando mão de obra e pé de obra para o norte do mundo.

Qual é o seu balanço do mundial, até agora?

Meu bom amigo Pacho Maturana, que foi diretor técnico de duas seleções e de várias equipes de diversos países ,costuma dizer, e não se equivoca: “O futebol é um reino mágico, onde tudo pode ocorrer”. Nós, latinoamericanos, estávamos felizes, pois pela primeira vez na história quatro seleções nossas chegavam à antepenúltima etapa e, subitamente, paf, ficou o Uruguai solito contra a Europa. E, salvo essa exceção,o Mundial se converteu em uma eurocopa. Um pouco antes, já não havia africanos competindo. Toda África ficou fora neste Mundial que é o primeiro Mundial africano da história. Os irmãos Boateng brindam a dramática metáfora do que ocorreu: um Boateng se foi, o que jogava em Gana, e ficou o Boateng que joga na Alemanha.

Foi justamente a Celeste que acabou com o sonho africano. Como viveu os momentos finais da partida contra Gana?

Foi um filme de Hitchcock. Me cortou a respiração. A minha e a de todos que assistiram à partida mais emocionante deste mundial. Ganhou o Uruguai, como se sabe, e assim ficou selada a derrota de toda a África. Eu festejei e, ao mesmo tempo, senti uma funda tristeza. No futebol, como na vida, há alegrias que doem.

O Brasil, com sua “receita Dunga” fracassou. Que conselho daria a seus vizinhos com vistas a 2014?


Eu não gosto de dar conselhos, nem de recebê-los, mas nós, latino-americanos, não vamos bem quando copiamos as receitas do êxito europeu. Nem no futebol, nem em nada. E não precisamos copiar. Li e escutei várias vezes, a propósito desta seleção alemã, a que compete agora, o seguinte elogio: “Parece uma equipe sul-americana”. A receita Dunga não era a melhor para o mais sul-americano dos sul-americanos: de que estava doente o Brasil para precisar desse tipo de remédio?

E por que a seleção uruguaia está tão forte?

Por que acredita no que faz, e o entusiasmo compensa o que lhe falta. Não sei se chegará á final, mas volta a ser milagrosamente certo que um país com menos habitantes que um bairro de Buenos Aires pode ser capaz de conquistar o troféu mundial. Festejamos isso, os poucos que somos, porque o Uruguai é um país muito futebolizado e aqui todos os bebês nascem gritando goooooool!!! A camiseta celeste tem muita energia dentro. E a história também ajuda. Este nosso paisito soube ganhar duas Olimpíadas de futebol, quando o Mundial ainda nem existia, e dois campeonatos mundiais, o primeiro aqui em Montevidéu, e o de 1950, quando derrotamos o Brasil na estréia do maior estádio do mundo, o Maracanã, diante do rugido de duzentos mil torcedores.

Eduardo Galeano, 69 anos, é o autor de "El fútbol a sol y sombra" y de
"Espejos – Una historia casi universal".


Gerhard Dilger é correspondente para América del Sur do diário
"taz, die tageszeitung", de Berlim

Traduzido e distribuído pela agência Carta Maior

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