segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Incentivo sai pela culatra: fábricas lucram com gás nocivo ao ambiente

Por ELISABETH ROSENTHAL e ANDREW W. LEHREN
Ranjit Nagar, Índia

Quando as Nações Unidas quiseram ajudar a retardar as mudanças climáticas, criaram o que parecia ser um sistema sensato. Os gases estufa foram classificados de acordo com seu poder de aquecer a atmosfera. Quanto mais perigoso o gás, mais as fábricas em países em desenvolvimento seriam pagas para reduzir suas emissões.

Mas, onde a ONU viu uma reforma ambiental, alguns fabricantes de gases empregados em aparelhos de ar condicionado e de refrigeração enxergaram uma oportunidade de negócios lucrativa.
Eles não demoraram a calcular que poderiam ganhar um crédito de carbono com a eliminação de uma tonelada de dióxido de carbono, mas ganhariam mais de 11 mil créditos destruindo uma tonelada de um gás residual pouco conhecido que normalmente é liberado na produção de um gás refrigerante amplamente usado. Isso acontece porque o subproduto contribui para o aquecimento global.


Os créditos podiam ser vendidos nos mercados internacionais, rendendo milhões de dólares por ano. Os compradores dos créditos incluem usinas de energia que precisam contrabalançar emissões que excedem os limites europeus, países que compram créditos para cumprir os termos do Protocolo de Kyoto -um tratado ambiental internacional- e algumas empresas sustentáveis que procuram compensar suas pegadas de carbono.
Esse incentivo tem levado fábricas no mundo em desenvolvimento a aumentar a produção do gás refrigerante e mantê-la alta. Desde 2005, as 19 usinas que recebem pagamentos pelo gás residual vêm lucrando muito com um negócio incomum: produzir mais gás de refrigeração nocivo para lucrar destruindo seu subproduto residual.
A produção alta mantém os preços do gás refrigerante baixos, desencorajando as empresas de ar condicionado a usarem gases alternativos, menos nocivos. Segundo críticos, isso significa que subsídios da ONU para melhorar o meio ambiente estão, em vez disso, criando seus próprios efeitos negativos.
As Nações Unidas e a União Europeia estão tentando desmobilizar esta fonte inesperada de lucro, adotando novas regras e uma proibição direta. Mas a China e a Índia, onde se localizam a maioria das 19 fábricas, opõem resistência enorme. Os fabricantes se acostumaram a contar com um receita que, em alguns anos, foi responsável por metade de seus lucros. Esse enriquecimento aumentou a influência deles. Muitos especialistas temem que, se os fabricantes não forem pagos para destruir o gás residual, conhecido como HFC-23, eles vão simplesmente voltar a liberá-los na atmosfera.
Reduzindo pagamentos
Revoltada com a situação, a União Europeia anunciou que a partir do próximo ano não vai mais aceitar em seu sistema de compra e venda de carbono os chamados créditos de gás residual -ou seja, os declarou moeda falsificada. A expectativa é que isso reduza o valor deles, mas ninguém sabe em quanto.
"Os europeus querem saber que os créditos de carbono pelos quais estão pagando terão efeitos ambientais positivos -e estes não têm", disse Connie Hedegaard, a comissária europeia de ação climática.
A ONU está reduzindo o número de créditos que as empresas de gás refrigerante poderão receber em contratos futuros. Mas críticos dizem que a tabela de pagamento revista ainda é excessiva, já que o subsídio é regido por contratos de longo prazo, muitos dos quais vão continuar valendo por anos ainda.
O comércio de carbono já se tornou tão essencial para empresas como a Gujarat Fluorochemicals Limited, dona de uma fábrica de gás refrigerante em Ranjit Nagar, no Estado de Gujarat, noroeste da Índia, que os créditos de carbono são citados como um negócio no Web site da empresa. David Hanrahan, diretor técnico da IDEAcarbon, uma destacada consultoria do mercado de carbono, estimou que cada fábrica vem ganhando em média entre US$ 20 milhões e US$ 40 milhões, por ano, com a destruição de gás residual. De acordo com ele, essa receita "é em grande parte lucro puro".
Alguns produtores chineses já declararam que, se os pagamentos acabarem, vão liberar o gás no ar. Isso é ilegal na maioria dos países desenvolvidos, mas na China e na Índia é permitido.
Desde que o programa das Nações Unidas começou, 46% de todos os créditos foram dados às 19 fábricas de gás para refrigeração, na Argentina, China, Índia, México e Coreia do Sul.
Destruir o gás residual é barato e simples, mas é difícil saber com precisão quanto qualquer empresa em particular já lucrou com isso, já que o preço de mercado dos créditos de carbono varia de acordo com a demanda -entre US$ 9 e US$ 40 por crédito-, e os créditos podem ser vendidos com desconto através de contratos no mercado futuro.
Um subsídio perverso
A produção de fluidos refrigerantes foi tão movida pela atração dos créditos de carbono em troca do gás residual que, nos primeiros anos, mais de metade das fábricas operaram apenas até ter produzido o volume máximo de gás que tinha direito ao subsídio do crédito de carbono, e depois fecharam pelo resto do ano, segundo relatório da ONU.
As indústrias também empregaram processos manufatureiros ineficientes para gerar o máximo de gás residual, segundo Samuel LaBudde, da Agência de Investigação Ambiental, organização sediada em Washington que há anos trava uma campanha contra o que LaBudde descreveu como "um subsídio incrivelmente perverso".
O professor de direito Michael Wara, da Universidade Stanford, na Califórnia, calculou que nos anos em que os créditos de carbono eram vendidos a preços altos e o gás refrigerante era barato em função do excesso de oferta, as empresas ganharam quase duas vezes mais com os créditos quanto ganharam com a produção do gás refrigerante.
Reconhecendo a tentação para as empresas de aderir a um negócio lucrativo, desde 2007 as Nações Unidas se recusam a conceder créditos de carbono a novas fábricas que destroem o gás residual. E, em novembro passado, a ONU anunciou que, quando seus contratos forem renovados, as fábricas poderão pedir créditos por gás residual equivalente a apenas até 1% de sua produção de gás refrigerante, contra 3% anteriormente.
Mesmo com essas modificações, neste ano os créditos para a destruição de gás residual ainda são o tipo mais comum no sistema das Nações Unidas, que recompensa empresas pela redução de todos os tipos de emissões que aquecem a atmosfera. Dezoito por cento dos créditos em 2012 irão para as 19 fábricas de gás refrigerante, contra 12% para 2.372 usinas de energia eólica e 0,2% para 312 projetos de energia solar, pelas emissões de dióxido de carbono evitadas pela energia limpa que produzem.
Créditos tóxicos
Samuel LaBudde, que há anos combate o subsídio, espera que ninguém compre esses créditos "tóxicos", que "não têm lugar nos mercados de carbono", e que eles desapareçam logo.
Em seu relatório anual mais recente, a Gujarat Fluorochemicals reconheceu que seus créditos de carbono "podem não ter um mercado importante" a partir de 2013, porque seus compradores principais têm sido empresas europeias.
Mas, enquanto os fatores econômicos se modificam, uma grande questão ambiental permanece: sem alguma forma de incentivo, será que empresas como a Gujarat Fluorochemicals vão continuar a destruir o gás residual HFC-23?
Algumas fábricas chinesas de gás refrigerante que não se qualificaram para os créditos de carbono das Nações Unidas já liberam essa substância química perigosa no ar, de maneira irrestrita. E os níveis atmosféricos do gás vêm subindo rapidamente.

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