quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Novo modo de desaparecer

Fernando Reinach

O último empurrão é aquele que leva uma espécie ameaçada à extinção. Pode ser fome, competição com outra espécie, destruição de seu hábitat ou a dificuldade de encontrar parceiros para acasalar. Normalmente diversos fatores contribuem para o último empurrão. A novidade é que os biólogos que estudam o efeito das mudanças climáticas no Ártico descobriram um novo fator capaz de provocar a extinção de espécies. É a hibridação com espécies próximas.

O burro é o híbrido com o qual temos mais contato. Ele nasce de uma égua e um jumento, espécies distintas. Não se sabe quando nasceu o primeiro burro, se ele foi gerado de um encontro fortuito ou resultado da malícia de um fazendeiro. Fato é que é difícil acasalar uma égua com o pequeno jumento.
Quando livres, cavalos e jumentos se organizam em grupos de diversas fêmeas e um macho dominante. Nessas condições, dificilmente um garanhão deixa que um jumento se aproxime de suas éguas. Mas, quando o cruzamento ocorre, o filhote é maior que um jumento, com orelhas grandes, robusto, ótimo para o trabalho. Essas características levaram o Homo sapiens a produzir burros em grande quantidade.

Mas o burro tem uma deficiência. Como a maioria dos híbridos, ele é estéril. Do ponto de vista evolutivo, é um ponto final. Se todas as éguas passassem a preferir os jumentos, jumentos e cavalos seriam extintos.
Mas o que o burro tem com a ver com o Ártico e o aquecimento global? Tudo começou em 2006, quando caçadores mataram um urso-polar que, em vez de ser totalmente branco, possuía manchas marrons. A análise de seu DNA confirmou a suspeita: ele era um híbrido entre duas espécies, urso-polar e urso-pardo (grizzly). Em 2010, outro híbrido semelhante foi caçado no Ártico canadense. Apesar de esses animais não terem sido estudados na natureza, um exemplar híbrido nascido em um zoológico na Alemanha mostra por que os cientistas estão preocupados. O animal, apesar de capaz de caçar focas como o urso-polar, não tem a habilidade do pai para nadar, característica essencial para sobreviver no gelo.
O que preocupa os cientistas é que, à medida que a temperatura aumenta no Ártico e a quantidade de gelo fica menor, animais que vivem no gelo são forçados a conviver com vizinhos terrestres. E a calota polar tem derretido parcialmente no verão, pondo em contato espécies marinhas que habitavam o Atlântico e o Pacífico. Uma baleia que se acredita ser um híbrido entre uma beluga e um narval foi encontrada no oeste da Groenlândia. Recentemente se descobriu um híbrido entre outras duas espécies de baleias no Mar de Behring. Nesses casos, aparentemente as populações, antes parcialmente segregadas pela calota polar, estão entrando em contato. O resultado são os híbridos.
Como os modelos de aquecimento global predizem que antes do fim deste século não haverá gelo separando os oceanos no verão, os cientistas começaram a listar os potenciais híbridos que podem surgir entre animais do Ártico. A lista inclui 34 espécies, 14 delas ameaçadas de extinção.
O aparecimento de híbridos não é obrigatoriamente um sinal de extinção. Há exemplos em que novas espécies surgem de híbridos, mas nesses casos o processo ocorre lentamente. Quando a mistura ocorre rapidamente, como foi o caso dos patos ingleses levados à Austrália em 1860, o resultado é trágico. Ao se misturar com os patos australianos, os patos ingleses produziram tantos híbridos que acabaram com a espécie local.
Os biólogos que estudam a fauna do Ártico estão atentos e preocupados com esse novo mecanismo capaz de dar o empurrão final em espécies ameaçadas. Infelizmente não há muito que fazer. Tudo indica que o Homo sapiens está disposto a continuar com seu uso indiscriminado de combustíveis fósseis.
BIÓLOGO
MAIS INFORMAÇÕES: THE ARCTIC MELTING POT. NATURE, VOL. 468, PÁG. 891

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