Dal Marcondes
OESP - Controlar trilhões resolverá tudo?
Por Washington Novaes
Segundo a FAO, a Organização para a Alimentação e a Agricultura, da ONU, "com 1% dos recursos dados aos bancos na atual crise (mais de US$ 4 trilhões) se resolveria o problema da fome no planeta" (Agência Estado, 20/6), que agora já atinge mais de 1 bilhão de pessoas, embora haja alimentos suficientes no mundo. Mas não é disso que tratam as atuais tentativas de encaminhar soluções para a crise financeira.
Há exceções, claro, como a da comissão nomeada pelo presidente Sarkozy, da França, e liderada pelos Prêmios Nobel Amartya Sen e Joseph Stiglitz, que já produziu um relatório preliminar em que tenta definir novos caminhos, superando a insuficiência dos atuais critérios econômico-financeiros para avaliar e referendar soluções. Nestes, de modo geral, as discussões centram-se quase exclusivamente no ângulo financeiro, ainda mais lembrando que o mercado de "derivativos" no mundo movimenta US$ 592 trilhões (Estado, 23/6) - ou seja, mais de 40 vezes o produto bruto anual dos EUA, ou quase 400 vezes o PIB brasileiro. Só em bancos suíços estão depositados cerca de US$ 7 trilhões.
Um dos exemplos mais recentes das limitações (Estado, 23/6) é a exposição feita no Senado norte-americano pelo presidente da Comissão de Negociação de Contratos Futuros de Commodities, argumentando com a necessidade de que esse mercado de "derivativos" seja mais regulamentado, que suas transações passem por câmaras de compensação, que haja lei federal tornando obrigatório o registro das negociações. Porque desde 2000 esse mercado - que inclui, entre muitos outros itens, as negociações com contratos futuros de produtos como grãos e carnes - está desregulamentado. Isso permite, junto com outros caminhos, que se negociem dezenas de vezes no mesmo ano - multiplicando artificialmente seu valor - as safras de determinados produtos. Ou seja, um mercado desligado da realidade concreta gera ganhos e lucros que estimulam um consumo geral além da possibilidade real de reposição dos recursos naturais - e essa é uma das crises que "ameaçam a sobrevivência da espécie humana", segundo Kofi Annan.
O plano anunciado pelo presidente Obama prevê muitas coisas, como a possibilidade de intervenção governamental no mercado financeiro, inclusive para assumir o controle e impedir a quebra de grandes companhias; a exigência de mais capital para empresas; a criação de uma agência financeira para proteger o consumidor - entre outros pontos. Mas parece continuar distante da questão central: o "descolamento" do mercado financeiro em relação à realidade concreta e suas possibilidades. A preocupação financeira reforça-se com os últimos números do PIB - queda de 4,5% na zona do euro, 3% nos EUA, 6,8% no Japão, 2,2% na América Latina e Caribe. No mundo, queda de 2,9% prevista para este ano; no Brasil, 1,1% segundo o Banco Mundial. E para socorrer os dramas aí embutidos, a Europa já destinou 21% do seu PIB para o setor financeiro; a Grã-Bretanha, 69%; a Irlanda, 200%; a Suécia, 50%; os EUA, 18% (Estado, 16/6). No Brasil não há muitos números, a não ser a liberação pelo Banco Central de R$ 100 bilhões dos depósitos compulsórios dos bancos (que, segundo as empresas, não aumentaram o crédito disponível - foram em sua quase totalidade para aplicações em títulos governamentais). Artigo do economista Amir Khair, da FGV, publicado por este jornal (22/6), também levanta questões na mesma direção, ao lembrar que o spread cobrado pelos bancos no Brasil "é o maior do mundo", 11 vezes maior que a média nos países "desenvolvidos".
Tudo isso, mais uma vez, remete à questão de o Brasil não conceber e defender nos fóruns mundiais uma estratégia fundamentada na posição privilegiada que desfruta em termos de recursos e serviços naturais - que são, concretamente (e não os recursos financeiros), o fator escasso no mundo. E que é preciso sempre repetir: temos território continental, quase 13% do fluxo hídrico planetário, entre 15% e 20% da biodiversidade do mundo, possibilidade de matriz energética "limpa" e renovável (decisiva para o clima), com hidreletricidade, energia eólica e solar, das marés, das biomassas. E nosso mercado interno, principalmente o de baixa e média renda, provou na recente crise que é capaz de assegurar também uma posição mais equilibrada que a dos países industrializados.
Mas não podemos esquecer que temos ainda pelo menos 30% da população abaixo da linha da pobreza. Que consumimos recursos naturais além da disponibilidade média mundial. E que somos um dos maiores emissores de gases poluentes no mundo. Está na hora de repensar tudo.
Washington Novaes é jornalista
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