segunda-feira, 18 de maio de 2009

Que jornalismo queremos?

A jornalista Silvia Marcuzzo é uma das profissionais mais comprometidas com a qualidade do jornalismo ambiental que eu conheço. Esta semana ela publicou este texto na Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental. Ela fala de sua terra, o Rio Grande do Sul, mas poderia estar falando de qualquer outro estado do Brasil, ou mesmo do próprio Brasil.
Em tempos de Mudanças nos Códigos Florestais Estaduais, quando tentam mexer nos percentuais de reserva legal na Amazônia, quando Santa Catarina nos dá o exemplo contundente dos efeitos do aquecimento global com a morte de pessoas e cenas de morros se desmanchando, quando Ceará, Piauí e Maranhão sucumbem a volumes de chuvas nunca vistos naquelas latitudes, nós jornalistas não temos o direito de "não saber".
Um dos conselhos mais sábios que recebi, ainda foca, foi: "seja culto". Um bom jornalista precisa olhar a realidade sob uma perspectiva de continuidade histórica, com passado, presente e futuro. Não dá mais para cobrir a realidade olhando pelo retrovisor. É preciso ir além, conhecer as realidades, acompanhar a ciência e a sociedade para compreender não apenas onde estamos, mas para onde estamos indo.

Vale a pena ler o desabafo da Silvia Marcuzzo. Entender o que ela disse significa também entender que tipo de jornalismo queremos e precisamos.

Dal Marcondes

Car@s, envio um desabafo espero que sirva para reflexão

Nej promove upgrade para colegas nessa terra de descaso ambiental

Minha inquietação não permite que eu durma sem escrever algo sobre o curso de jornalismo científico e ambiental que o Nej promoveu neste sábado, 16 de maio. Azar dos que não foram, ou dos que não souberem aproveitar. Marcelo Leite deu várias dicas práticas para melhorar a vida dos jornalistas que buscam informações fidedignas. Mostrou que sempre precisamos melhorar.

O encontro foi um presente do Nej para os colegas, alguns vieram do interior para participar. Mesmo com um preço pra lá de especial (100 pilas para os não associados ao Nej), infelizmente, o auditório da Ari não lotou. O pessoal das redações não compareceu... talvez isso seja um reflexo da atual cobertura da nossa imprensa, que tem sido “furada” com freqüência por veículos do centro do país. A Folha de S.Paulo com um repórter em Porto Alegre seguidamente estampa reportagens que não saem nos principais jornais da Capital gaúcha.

Até mesmo o chefe da expedição Deserto de Cristal, o glaciologista Jefferson Cardia Simões, que esteve presente no evento, reconhece como o nosso jornalismo científico e ambiental anda ruim pelos pagos. Escrevo essas palavras para deixar registrado como foi importante a iniciativa dos colegas do Nej nesse contexto de poucas investigações e reportagens sobre o ambiente gaúcho. Os nejianos ainda se esmeraram para não gerar resíduos descartáveis, para ter bolachinhas, chá e café, a melhor infra-estrutura possível para as ótimas palestras do Marcelo e do professor Wilson Bueno.

E o que mais me deixou incomodada é que pipocaram dezenas de pautas na conversa com os dois, mas muito do que foi dito precisará de uma ação vivencial da “teoria das brechas”, sim porque até o momento não saiu uma matéria nas nossas bandas sobre o contexto da flexibilização do Código Florestal e as mudanças climáticas, por exemplo. Se pegarmos a situação do Código Florestal, poderemos verificar o quanto precisamos nos engajar mais na disseminação das informações ambientais. Mas pra isso, precisamos conhecer o básico, o elementar: o que são e para que servem as Áreas de Preservação Permanente e a Reserva Legal, dois pontos cruciais que estão em jogo.

Em conversa com o Jefferson, comentei como estou chocada com a estagnação do Rio Grande do Sul. Peraí, vou explicar, antes que me metralhem. O gaúcho se considera melhor que os outros. Aqui nasceu o movimento ambientalista, é verdade. Mas hoje o mundo mudou, mas o nosso movimento, surgido na década de 50 com Roessler, mudou pouco. Pior, parece que regrediu.

Como assessora de comunicação da Rede de ONGs da Mata Atlântica, em Brasília, tive contato com diversas entidades que tem sede própria, tem dezenas de funcionários e geram muito conhecimento, articulação e mobilização. Só pra ter uma idéia, não há nenhum grande projeto de proteção ao Pampa, nosso principal bioma, exclusivo do Estado, perante ao Brasil.

Nenhuma “king ONG”, como chamam as grandes organizações, tipo Conservation International, TNC ou WWF, conseguiu emplacar alguma ação no Pampa. E algum repórter já perguntou como é a representação das ONGs no Conama? Isso sem falar nas barbaridades que vem acontecendo para desmantelar a pobre Sema, que vai completar 10 anos este ano. Alguns funcionários que não conseguiram ser cúmplices do processo que a secretaria está se transformando tiraram o time de campo. Pediram cedência para outras pastas, como a Secretaria da Agricultura ou para outros órgãos.

A Sema hoje é o resultado da ação de um reduto de dar vergonha ao PSDB paulista. Bem que o Fabio Feldaman podia dar umas aulas para os correligionários gaúchos. Estou fazendo esse desabafo porque percebi no curso como precisamos melhorar, como necessitamos abrir ainda mais os horizontes. Principalmente para fazer trabalhos que extrapolem os limites riograndenses. Me senti insignificante diante do relato do Marcelo sobre suas fontes de consulta. E mais: Marcelo afirmou uma coisa cada vez mais difícil nesses tempos de correria de maeprofissionalfilhaempresaria: é preciso ler muito, muito, muito em inglês, e português, é claro.

Mas e será que o nosso mercado gaúcho exige isso também? Infelizmente, não é no Rio Grande que as coisas acontecem. E em meio a todo marasmo editorial que ronda por aqui, a oportunidade que o Nej ofereceu foi um relâmpago de lucidez para que os colegas do Rio Grande acordem para essa realidade. Qualquer um que tenha o mínimo de senso de bom jornalismo sabe que nossa cobertura precisa melhorar. Perguntei esses tempos para um colega que trabalha em uma área estratégica da principal empresa de comunicação daqui se eles estavam satisfeitos com a qualidade do jornal mais importante do estado. E ele me disse que sim, pois as vendas indicavam que estavam no caminho. E confessou: também não gosto do jornal, mas ele não é feito para pessoas como nós. Ou seja, se não tivermos leitores exigentes, pessoas que reclamem, que se manifestem, ou que não comprem o produto, a imprensa jamais vai melhorar.

E antes de sermos jornalistas, somos cidadãos. Por isso eu pergunto: será que o Nej não deveria manter um contato com as redações com os principais formadores de opinião para explicar o que significam determinadas pautas, como o contexto da alteração do Código Florestal para as futuras gerações em tempos de mudanças climáticas, por exemplo? Daí vem as justificativas dos exaustos colegas, que já fazem muito além das suas condições: trabalho voluntário, falta de tempo, de recursos etc, etc, etc.

Confesso que tudo isso me incomoda. E muito. Pois o Nej não conseguiu decolar projetos que permitam contratar pessoas. Todo trabalho é no amor, como na maioria das ONGs gaúchas. Por isso, mas uma vez, devemos agradecer aos envolvidos na organização, em especial ao Reges e à Ilza, que tornaram essa capacitação possível. E que sejam bem-vindos os novos associados! Por tentar ser uma cidadã consciente, exerço minha profissão trabalhando naquilo que acredito.

Por isso, apesar das minhas diversas dificuldades pessoais, ainda faço parte do Nej. Nessa trajetória de mais de 15 anos trabalhando com comunicação e meio ambiente, onde o Nej teve uma importância vital, muitos me perguntam: mas o que é preciso fazer para integrar o Núcleo? Elementar: procure colocar em prática na sua profissão a cidadania a serviço de um planeta melhor. E foi justamente isso que os dois palestrantes mostraram no sábado. Cada um a sua maneira. Penas que o trabalho dos dois tenha pouca influência sobre o que estampam nas páginas dos jornais daqui.

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