segunda-feira, 25 de abril de 2011

Rio+20 deve achar meios de financiar tecnologias


Célia Rosemblum,  de São Paulo



Achim Steine: \"A economia verde embute muita mais oportunidades de gerar empregos do que o modelo atual


Ambiente Para diretor do Pnuma, economia verde começa a decolar
A preparação da Rio+20, conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre desenvolvimento sustentável marcada para junho de 2012, ganha ritmo a partir de hoje, com a chegada ao Brasil do diretor executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), Achim Steiner. Nos próximos cinco dias ele vai cumprir uma agenda intensa em que estão previstos encontros com os ministros do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, e Relações Exteriores, Antônio Patriota.
Steiner, que é também subsecretário geral da ONU, vai participar ainda da reunião do Fórum Econômico Mundial na América Latina, de 27 a 29, no Rio. "É uma oportunidade única para mim e para o Pnuma de engajamento com o país sede da conferência e para encontrar os principais grupos, do governo, da sociedade e também do setor privado." O evento no Brasil, país onde viveu até os dez anos de idade, será o palco ideal, avalia Steiner, para acelerar e dar escala a um processo global de transição para uma economia verde, que emita menos carbono, seja mais amigável ao ambiente, otimize a eficiência no uso de recursos e ofereça meios de reduzir a pobreza e a desigualdade. "A conferência do Rio precisa examinar como a comunidade internacional pode criar um sistema que auxilie essa transição a partir da articulação de uma agenda clara para acesso a financiamento e a tecnologia." Para o diretor executivo do Pnuma, fazer com que novos padrões de produção ganhem escala é um movimento possível mesmo em um quadro de dificuldade para firmar acordos internacionais para enfrentar as mudanças climáticas. A seguir, os principais trechos da entrevista que ele concedeu, por telefone, de Nairóbi (Quênia), onde o Pnuma está sediado.


Valor: O Pnuma tem trabalhado o conceito de economia verde há cerca de dois anos e meio. Quais são os resultados alcançados até agora? Qual é o ritmo das mudanças?
Achim Steiner: O Pnuma começou o trabalho relacionado à economia verde com o objetivo específico de vincular, globalmente e localmente, o consumo de recursos e os padrões de poluição na economia hoje, de forma que as questões ambientais não representassem uma obstrução ao desenvolvimento, mas que sustentassem o desenvolvimento.
Queríamos ligar as questões ambientais, da poluição à escassez de recursos, ao conceito de resultados sociais e econômicos.
Nós precisamos que a economia global cresça para abrigar 2 bilhões de pessoas nos próximos 40 anos. E para a agenda do desenvolvimento sustentável precisávamos avançar do estágio de apenas resolver um problema após o outro para o foco da tomada de decisões, seja em relação aos consumidores, aos fabricantes ou ao governo. O conceito de economia verde é uma tentativa de fornecer exemplos; estudar, em diferentes partes do mundo, onde podemos achar essas transições menos poluidoras e mais eficientes em uso de recursos.
Para nossa surpresa achamos muitos, muitos exemplos. Também era preciso achar projetos que tivessem ganhado escala e progredido, que não fossem apenas opções teóricas. E documentamos vários, o que nos fez acreditar que de fato a transição para uma economia verde começou em todas as partes do mundo. O problema é que elas ainda não estão abrigadas no ambiente ideal de políticas públicas e nós precisamos que elas ganhem escala, para que não permaneçam como simples experimentos.
Valor: Esses exemplos são suficientes para comprovar que a economia mundial está mudando do marrom para o verde?
Steiner: Acho que o mundo está longe de ter alcançado uma transição para a economia verde, está longe de atingir novos padrões econômicos tanto em termos de consumo de recursos quanto em relação à poluição.
Metade da economia verde está baseada no conceito de que precisamos manter o crescimento de nossas economias, mas reduzindo a poluição, seja de substâncias perigosas ou dióxido de carbono ou que destroem o ozônio.
A outra metade da equação é convencer-nos de que estamos dilapidando o capital natural de nosso planeta, que é fundamental para o futuro das economias.
É um capital invisível e porque ele não tem valor econômico explícito atribuído, ou que não é capturado, é quase tratado como se não tivesse valor. Isso acaba implicando uma alocação equivocada do capital. Mas temos muitos exemplos de que a transição é viável. Nosso trabalho é ajudar países a estudar esses exemplos e revertê-los em termos de políticas públicas, mas também em instrumentos de mercado para acelerar e dar escala a essa transição. Temos muitos exemplos e evidências empíricos de como isso pode ser feito e é por isso que eu acredito que a conferência Rio + 20, que escolheu o tema da economia verde em um contexto de desenvolvimento sustentável e combate à pobreza, é um momento vital, não só como uma conferência internacional sobre o desenvolvimento sustentável, mas também como um encontro internacional sobre o paradigma econômico do futuro.
Valor: Quais são os maiores obstáculos e dificuldades para dar escala à economia verde?
Steiner: Os gargalos que enfrentamos são de natureza múltipla.
O primeiro é que a infraestrutura econômica existente tem como base um modelo particular de produção e consumo em que a poluição quase sempre é uma externalidade. Não há preço para a poluição e portanto não há incentivo para as indústrias e consumidores para reduzir a poluição.
Depois, temos vários subsídios que podem realmente se mostrar perversos. Combustíveis fósseis recebem hoje subsídios em vários lugares, em torno de US$ 400 bilhões a US$ 500 bilhões, alguns estimam que até mais. Em um momento em que os combustíveis fósseis têm se tornado de forma crescente fatores vulneráveis e voláteis em nossa economia, em que a poluição causada por combustíveis fósseis tem trazido custos crescentes para esta e para a futura geração, não é exatamente uma forma racional de se progredir. Também temos com certeza que olhar para as políticas públicas. Os incentivos para que se faça a transição para a economia verde muitas vezes não existem. Hoje, como consumidor, se você comprar um veículo mais eficiente em consumo de combustível você é na verdade punido, porque paga mais na verdade. A questão é como colocamos preços reais nessas fontes de energia? Outros exemplos são os sistemas de taxação. Não recompensamos com isenção de impostos quem polui menos ou usa os recursos de forma mais eficiente.
Usualmente fazemos o contrário. Quando se refere a preços, quanto mais se consome, mais barato será o preço da unidade.
Essas são claramente mudanças que precisamos fazer.
Valor: Qual impacto esse tipo de mudança pode trazer para as empresas em curto prazo?
Steiner: Negócios são relacionados a novas ideias, tecnologia e sistemas de produção. Quanto mais eficiente é a produção, mais lucrativo você pode ser em relação a seu concorrente. A questão é se o ambiente regulatório dos governos deve incluir políticas para encorajar os empreendedores a adotarem novas tecnologias e novos sistemas de produção e os colocarem no mercado. Podemos tornar a transição para a economia verde atrativa para empreendedores e investidores.
A maioria das instituições financeiras e de investimentos que existem no mundo hoje têm uma grande quantidade de recursos que gostariam investir. Mas precisam achar os negócios, mercados, e produtos certos.
Valor: Quais seriam esses mercados no atual cenário?
Steiner: O Pnuma publica todo ano um relatório financeiro sobre energia sustentável. Nos últimos dois anos vimos o investimento em eficiência em energia renovável em todo o mundo crescer de 30% a 60% ao ano. Em 2010 o investimento no campo da nova energia ultrapassou provavelmente US$ 200 bilhões, o que é mais que a soma dos novos investimentos em petróleo, gás e carvão. Há dez anos essa tecnologia considerava-se que essa tecnologia fosse viável talvez em 2050, ou talvez 2100. A China se transformou hoje no maior produtor mundial de painéis fotovoltaicos no mundo. A Alemanha fez em sete ou oito anos, a fatia de renováveis na produção de energia elétrica crescer de 4% para 18% e nos próximos anos chegará a 40%. O setor de energia sozinho demonstra de que forma negócios e investidores podem evoluir rapidamente. A fórmula simples foi um imperativo de crescimento econômico sem a dependência futura de combustível fóssil e uma legislação regulatória que ajudou os consumidores e as empresas a superarem os custos iniciais de transição.
Valor: O Pnuma calcula que 2% do PIB mundial ao ano seriam suficientes para sustentar a transição para a economia verde. Como se chegou a esse número? De onde virão os recursos necessários?
Steiner: O número que nós temos, de aproximadamente US$ 1,3 trilhão ao ano, vem de um modelo econômico global que tem sido usado para diferentes propósitos e essencialmente o aplicamos na tentativa de avaliar uma injeção catalisadora de investimentos que aliassem inovação tecnológica e também reforçassem políticas de gestão e sistemas de incentivo. O relatório diz que se redirecionássemos cerca US$ 1,3 trilhão ao ano para investimentos verdes nos dez setores chave que identificamos, poderíamos capitalizar e acionar os mecanismos de mudanças de mercado e tecnologias que acreditamos podem gerar uma transição que se auto-alimente.
Valor: De onde viria o dinheiro?
Steiner: Em termos globais haveria um elemento de financiamento público, mas a parte mais significativa virá dos mercados de capitais e de investimentos. Nós temos uma grande quantidade de recursos nos sistemas financeiros que estão em busca de investimentos na economia de hoje e na de amanhã. A questão é se podemos criar as políticas e sistemas de incentivos econômicos corretos para que esses investimentos sejam atrativos para o mercado. Mas há um ponto muito importante: particularmente sob a perspectiva dos países em desenvolvimento, o acesso ao capital e à tecnologia será crítico para essa transição. E aí que a conferência Rio+20 é importante, porque é em muitas das economias menores em desenvolvimento que está o desafio de conseguir acesso ao capital. Por isso a conferência do Rio precisa examinar como a comunidade internacional pode criar um sistema que auxilie essa transição a partir da articulação de uma agenda clara para acesso a financiamento e a tecnologia.
A transição desses países para a economia verde é ainda mais vital, porque eles não têm acesso à energia, nem capital, nem existe interesse internacional político em financiar para eles o que pode fazer uma diferença entre avançar ou não.
Valor: É possível juntar os países em torno de um acordo nesse sentido? Não haverá dificuldades como na questão climática?
Steiner: Se formos além do estreito corredor de negociações do acordo sobre mudanças climáticas - que no momento não estão conseguindo avançar basicamente porque existe uma percepção de falta de justiça e igualdade em como diferentes grupos de países estão dispostos a investir em seus programas de redução de emissão de carbono - acredi to que sim. Sob uma perspectiva mais ampla da economia verde, existem investimentos em energia renovável, eficiência energética, conceitos de mobilidade, gestão de edificações para compartilhamento e redução de emissões.
Para os países que têm recursos e tecnologia, as iniciativas para manter a vantagem competitiva por meio de investimentos em economia verde já estão em curso.
Nossa preocupação noPnuma é que essa transição precisa agora ser um paradigma para as políticas nacionais nos países em desenvolvimento, para assegurar que eles não fracassem em uma economia global em que as tecnologias verdes sejam realmente mais eficientes e competitivas.
Valor: Existe uma forma de medir como as economias estão fazendo essa transição? Ou isso depende de algum acordo?
Steiner: Acho que nesse momento o mundo vive o processo de desenvolvimento dos indicadores corretos e dos dados que vão permitir avaliar o quão eficiente o país está sendo ao fazer essa transição. A primeira parte a ser levada em conta são os sistemas de contas nacionais. A maior parte dos países não contabiliza atualmente a depreciação de seu capital natural. Os ativos florestais têm uma função muito consistente e estão de certa forma sendo traduzidos em dinheiro quando o PIB é calculado e houve um corte de árvore. Mas não existe uma forma de contabilizar que quando se corta uma árvore também há reflexos em uma série de sistemas ambientais que não podem ainda ser traduzidos em valores econômicos. O sistema de contas é a porta de entrada para uma abordagem de política macroeconômica que deve valorizar adequadamente e realmente os serviços do país relacionados à infraestrutura ecológica.
Valor: Em termos sociais, qual é o principal apelo da economia verde?
Steiner: Emprego. Enfrentamos hoje no mundo uma situação dramática de desemprego e subemprego. O conceito de economia verde embute oportunidades de gerar muito mais empregos do que o modelo corrente de crescimento. E acredito que para os 2 bilhões de pessoas que irão se juntar a nós nos próximos 20 anos, para os jovens que não acham emprego, isso é essencial.

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