Livro reúne os pensamentos de 15 dos mais influentes economistas brasileiros - Comentário da revista Exame

"Diante dos cenários climáticos divulgados pela ciência, o desenvolvimento econômico não pode mais ignorar suas externalidades e efeitos colaterais", afirma Ricardo Arnt no texto de apresentação do recém lançado "O que os economistas pensam sobre sustentabilidade", da Editora 34. Nos últimos meses de 2009 e nos primeiros de 2010, o jornalista entrevistou e organizou as opiniões de 15 dos mais influentes economistas brasileiros sobre o tema.
Entre eles estão Antonio Delfim Netto, Gustavo Franco, André Lara Resende, Eduardo Gianetti, José Eli da Veiga e Sérgio Besserman Viana. No livro, os economistas - dos mais tradicionalistas aos mais engajados - discutem, sem subterfúgios, o que pensam sobre a crise ambiental e climática que ameaça o século XXI e gerações futuras, e o que é possível fazer para reverter esse quadro.
Leia a seguir alguns trechos das entrevistas:
Foto: Carol do Valle
Delfim Netto: ex-ministro da Fazenda, da Agricultura e do Planejamento e ex-deputado federal

"Convencer o sujeito de que continuar pobre é ótimo me parece uma tarefa difícil. Nos países que já atingiram certo nível de crescimento, não sei. Num país como o Brasil, que tem o nível de renda per capita que tem, é inimaginável. O que precisamos é chegar ao nível per capita da Noruega sem destruir o que sobrou".
Foto:Paulo Jares
André Lara Resende: ex-presidente do BNDES e um dos criadores do Plano Real.

"A gente está falando de grandes temas, mas há melhorias extraordinárias que não exigem tanta mudança. A coisa mais evidentemente disfuncional no mundo de hoje é o automóvel com motor a explosão. (...) Você não pode ter cidades do tamanho que temos baseadas no transporte individual de automóvel."
Foto: Selmy Yassuda
Edmar Bacha: ex-presidente do IBGE e do BNDES

"Estamos lidando com um assunto cuja novidade para os economistas decorre do fato de que a gente sempre tomou, na análise econômica, a natureza como um bem livre, de oferta ilimitada, a preço zero. Portanto, não era objeto da indagação dos economistas. Os economistas se perguntam sobre como alocar recursos escassos com usos alternativos, e a natureza não aparentava ser um recurso escasso. (...) Então, estamos nos dando conta de que esse bem, a natureza, é escasso, e, dada essa visão de que há escassez, temos um problema econômico. O problema econômico deriva de que a natureza não tem dono".
Foto: Raul Junior
Eduardo Giannetti: pesquisador e professor da Faculdade Insper, em SP.

"Creio que é possível e acho que o grande problema brasileiro é enforcement. Nós temos leis até avançadas e exigentes de preservação, mas uma capacidade muito restrita de transformá-las em realidades e comportamentos. A capacidade do Estado brasileiro de se impor e de garantir o respeito ao marco legal, especialmente na região Norte, é ínfima. Começa pela questão da propriedade fundiária. Nós temos um caos de indefinição de direitos de propriedade na região amazônica que é altamente nocivo do ponto de vista da preservação.(...)"
Foto: Divulgação/Ag. Brasil
Luciano Coutinho: Ex-presidente do BNDS e sócio fundador da LCA Consultores

"É verdade. Quando falamos de bens públicos, e de que não existe mercado para lidar com bens públicos pelo fato de eles não serem divisíveis e precificáveis, reconhecemos que o mercado não é capaz de cuidar das externalidades. O fato de que a poluição do ar, a emissão de carbono e os processos de poluição produziram uma capa de gases de efeito estufa sobre o planeta, que terá como consequência um aquecimento generalizado de pelo menos 2ºC -- inescapável, irreversível e já instalado --, constitui, na verdade, um falha gravíssima de mercado. Ela poderá ter consequências dramáticas, nos colocando no limiar de um processo catastrófico, se não forem contidas.(...)"
Foto: Raul Junior
Gustavo Franco: ex-presidente do BC e sócio da Rio Bravo Investimentos

"Acho muito bacana, porque, se os mercados fossem perfeitos, estaria tudo resolvido, mas não é o caso. Existe sempre o que a gente chama de arbitragem: oportunidades de fazer mais com a mesma coisa, comprar barato e vender caro. (...) Acho que seria um equívoco imaginar que todas as empresas do planeta produzem no seu absoluto píncaro tecnológico e não poderiam produzir mais ou desperdiçar menos. É claro que podem. (...)"
Foto: Germano Luders
José Roberto Mendonça de Barros: ex-secretário do Ministério da Fazenda no governo FHC

"Sim. Acho que não é ingenuidade, não, desde que de fato haja uma demanda por mudança forte. Os melhores exemplos que eu conheço são o açúcar e o álcool. A indústria de petróleo sempre detestou o álcool. Detestou! Porque tira o negócio deles. Só que agora estão entrando no negócio. Não é porque sejam bonzinhos, mas porque é inevitável. Já que produzem carbono, têm que fazer algo. É isso a transformação. E quando essa demanda se impõe os recursos aumentam.(...)"
Foto: Fiemg
José Eli da Veiga: professor da USP e ex-superintendente regional do INCRA

"A minha sensação é de que, quando a empresa começa a falar nesse assunto por oportunismo, não tem ideia do risco que está correndo, porque ela vai ser obrigada a levar isso a sério. Uma das razões é que você estimula certo comportamento do consumidor, e ele vai querer cobrar. Infelizmente, uma das características lamentáveis da sociedade brasileira é a fraqueza dos movimentos dos consumidores. (...)"
Foto: Alexandre Battibugli
Luiz Gonzaga Belluzo: sócio da revista Carta Capital e consultor de Economia de Lula

"Eu acredito muito naquela frase do Marx, de que a sociedade não se propõe problemas que não pode resolver. Ela está se propondo esse problema da sustentabilidade agora. (...) Esse é um problema que a humanidade tem de resolver, neste momento. A sociedade avançou de forma contraditória, construindo a possibilidade de se desenvolver sem agredir a natureza, mas ao mesmo tempo, tornando essa agressão cada vez mais dolorosa. (...)"
Foto: Luiz Alonso
Maílson da Nóbrega: ex-minsitro da Fazenda (1988-1990) e colunista da revista VEJA

"Acho que é uma visão no mínimo discutível, porque pressupõe que a tecnologia não possa resolver o problema , que não seja possível continuar o desenvolvimento com tecnologias que reduzam os danos ao meio ambiente ou que melhorem, gigantescamente, o uso dos recursos naturais.(...)"
Foto: Lailson Santos
Aloizio Mercadante: Fundador do Partido dos Trabalhadores e ex-senador por SP.

"Isso é fundamentalismo. Até entendo que o cidadão possa ter essa visão, mas o Estado não. O Estado tem de ter uma política e discernir sobre o custo dos impactos ambientais dos empreendimentos. Não há fonte de energia que não tenha algum impacto. Se você usar eólica para substituir uma hidrelétrica, imagine quantos aerogeradores e pás serão necessários. Como ficará o cenário? Ainda bem que temos uma matriz renovável variada. Está melhorando a percepção dos sistema e estamos avançando, mas temos de acelerar."
Foto: Reprodução vídeo/ WWF
Sérgio Besserman Vianna: ex-presidente do IBGE e professor da PUC-RJ

"Não chega a ser uma ideologia econômica. É uma imposição da realidade. Temos tratado os serviços que a natureza nos presta como se fossem bens públicos: usamos à vontade, eternamente, infinitamente, sem custos. Sabemos, hoje, que têm custo. O custo é global, afeta bilhões no planeta e , por conta da mudança climática, não é uma agenda para muitas décadas, é a agenda de agora. Vamos ter de internalizar esses custos na contabilidade nacional, nas economias e nas empresas. Esses custos têm de ser precificados, têm de passar a ser cobrados. (...)"
Foto: Bia Parreiras
Persio Arida: um dos criadores do Plano Real e sócio do Banco BTG Pactual

"Claro que sim. O problema é como distribuir o direito de emissão de tal sorte que os menos poluidores ou os que preservam as áreas verdes possam vender o direito para aqueles que precisam poluir mais do que deveriam. (...) Um preço universal me parece mais simples, embora, em princípio, não assegure com certeza, na partida, o controle desejado do processo de poluição. A menos que se consiga, desde o início, fixar o preço correto."
Foto: Wikimedia Commons
Luiz Carlos Bresser-Pereira: professor emérito da FGV e ex-ministro da Fazenda

"Veja, o país mais rico do mundo são os Estados Unidos e, paradoxalmente, são os que mais resistem a um acordo. Pode-se até acusar os indianos, mas acho que a maior responsabilidade é dos norte-americanos, porque querem continuar se desenvolvendo. Eles construíram uma sociedade incrivelmente desigual e os padrões de vida do povão, da classe baixa americana, são muito ruins, ainda. Há muito que melhorar. (...)"
Foto: Reprodução
Ricardo Abramovay: professor titular da Faculdade de Economia da USP

"Acho que “crescimento sustentável” é uma contradição bem mais nítida. Aí sim, como é possível fazer a economia crescer conservando? A economia ecológica tem uma resposta importante: você pode promover o crescimento não apoiado na maximização do produto, mas na maximização da qualidade. (...) Trata-se de preservar os serviços básicos oferecidos pelos ecossistemas e compatibilizá-los com o crescimento. A hipótese que cada vez mais economistas formulam é que a qualidade no crescimento econômico é compatível com a resiliência dos ecossistemas, e que as oportunidades daí decorrentes são impressionantes, como fronteira tecnológica. (...)"
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