sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Marina Silva: a ética sustentável

Cynara Menezes, da Carta Capital

A presidenciável do PV rejeita a pecha de candidata de uma só e defende novo modelo de desenvolvimento.

A senadora Marina Silva, que deixou o PT para se lançar à Presidência pelo PV, não teme ser vista como uma candidata com ideias apenas para o meio ambiente. "O desenvolvimento sustentável pressupõe ter propostas com critérios de sustentabilidade para todos os setores." Nesta entrevista inédita concedida a CartaCapital em dezembro passado, a presidenciável afirma: mesmo com as dúvidas expostas pelos céticos, é um "dever ético" da humanidade se precaver contra o aquecimento global.

CartaCapital: Como a senhora viu o estabelecimento pelo governo da meta de redução das emissões dos gases de efeito estufa em 39% até 2020? É positiva ou sua própria proposta de estabelecer um teto para as emissões de carbono seria melhor?

Marina Silva: A ideia do teto nos colocaria como um alvo a ser atingido, mas ter uma meta já é um avanço. Lutei muito por isso. O problema da meta brasileira é que é sobre emissões projetadas, não efetivas. Ou seja, o compromisso do Brasil é que vai tomar uma série de medidas para reduzir até 2020, é um alvo móvel. São Paulo comprometeu-se com uma redução de 20%, com base em 2005, sobre emissões efetivas. O Brasil poderia ter feito a mesma coisa.

CC: Um estudo recente diz que 50% das emissões de gases do Brasil são causadas pela pecuária. Como reduzir o problema se a carne é um dos nossos maiores produtos de exportação?

MS: Já existem tecnologias desenvolvidas pela Embrapa que permitem diminuir inclusive as flatulências do gado. Outra alternativa, também da Embrapa, estabelece um sistema integrado lavoura, pecuária e florestas, onde é feito um consórcio de plantio de árvores para o sequestro do carbono, uma espécie de contrabalanço. No caso da pecuá-ria, há uma associação com o próprio desmatamento. As pessoas não desmatam por desmatar, desmatam para uma atividade econômica que geralmente é agricultura ou pecuária. Quando o plano de combate ao desmatamento foi lançado, em 2004, estava previsto em três eixos: combate às práticas ilegais, ordenamento territorial e fundiário e apoio à atividade produtiva sustentável. O que mais andou foi o combate às práticas ilegais. Se não forem apresentadas alternativas, não tem como segurar o processo só com ação de força.

CC: O que a senhora achou do decreto do governo federal que dá anistia de um ano aos desmatadores?

MS: É uma contradição muito forte com os compromissos que estão sendo feitos de redução de CO2, onde o desmatamento tem o maior peso. Cerca de 80% da meta que o Brasil fixou virá da redução do desmatamento. Você sinaliza com metas e ao mesmo tempo cria mecanismos que aos poucos vão anulando as principais ferramentas de viabilizar a proposta. Esse adiamento já tinha sido feito há um ano e não significou nenhum tipo de atitude nova por parte dos produtores para se adequarem. Simplesmente foi um período para ganhar força, se articular e agora apresentar um código ambiental, um conjunto de iniciativas para mudar o Código Florestal. No meu entendimento é um forte prejuízo para alcançar as metas que o Brasil promete.

CC: Ainda existe dentro do governo uma disputa entre ambientalistas e agronegócio?

MS: Vejo pelo que sai na mídia, os tensionamentos constantes, ainda que no começo de sua gestão o ministro Carlos Minc tenha ido ao Senado com o ministro (Rein-hold) Stephanes dizendo que a coisa agora era diferente. Até torci que fosse mesmo, mas, ao que tudo indica, ainda há muito a ser alcançado no sentido do que eu defendi, de uma política ambiental transversal, em que energia, transporte, agricultura, todos os setores, plasmassem suas ações dentro de um critério de sustentabilidade. Parece-me que os tensionamentos continuam. Inclusive, no momento de discussão- da proposta brasileira para a cúpula de Copenhague não foi diferente.

CC: Como fazer para que convivam?

MS: Não é sequer uma questão de convivência, é como fazer para que meio ambiente, agricultura e indústria tenham uma ação integrada que viabilize todos eles. O crescimento do País é uma necessidade, mas crescer não significa necessariamente se desenvolver. Para crescer, e isso significar desenvolvimento, é preciso ter uma melhora da qualidade de vida em emprego, saúde, educação, entretenimento, saneamento. Ainda que tenha havido avanços, há um déficit grande em relação a isso. Se não preservarmos as bases naturais do desenvolvimento, estaremos comprometendo o próprio desenvolvimento. É preciso ter uma visão estratégica que permita passar do modelo insustentável do final do século XIX e do século XX para o modelo que queremos no século XXI.

CC: Os EUA sob Barack Obama evoluíram em relação às mudanças climáticas?

MS: Foi importante a proposta do presidente Obama de ter uma política de mudança climática, mas foi ínfima a redução de emissão de gases a que estão se propondo, de 3%, com base em 1990. Mas ele fez uma coisa muito interessante. O Congresso não aprovou a medida e eles foram para Copenhague sem a aprovação. Nos EUA, qualquer coisa que se faça desrespeitando o Congresso corretamente não tem como prosperar. Mas o departamento do meio ambiente do governo Obama estabeleceu que as emissões de CO2 são um grave problema para a saúde. Assim, ele consegue ter uma ferramenta para, independentemente do Congresso, tomar ações executivas. Foi uma mudança e tanto na postura dos EUA e um exemplo importante até mesmo para alguns setores no Brasil, que até pouco tempo não queriam saber de metas. Essa não é apenas uma questão ambiental, também é econômica. Os empresários sabem que, se não fizermos o dever de casa, teremos um sério problema em relação a nossos produtos, porque o carbono já começa a ser taxado e vai se agravar.

CC: Como a senhora vê os céticos do aquecimento global?

MS: É uma discussão entre cientistas. A maioria dos integrantes do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, em inglês), 95%, diz que já estamos sob os efeitos das mudanças climáticas. Quando se trata de grandes catástrofes, e essa é uma espécie de Armagedom ambiental, porque se ultrapassar os 2ºC pode comprometer toda a vida na Terra, e como somos a parte que pensa, que sente, que fala, da natureza, nosso dever ético é agir.

CC: A senhora é favorável à pesquisa nuclear?

MS: À pesquisa, sim. Obviamente, ela é fundamental, faz parte da visão estratégica de qualquer país. O que sou contra é do uso para qualquer finalidade que não seja pacífica e também para a geração de energia, porque é cara e não é segura, não se sabe o que será feito com os resíduos. Temos outras fontes, como a eólica, a biomassa, a solar, que também são caras, mas seguras.

CC: Como pré-candidata, a senhora tem alguma proposta para a utilização dos recursos do pré-sal?

MS: A visão que precisamos ter do petróleo é de que é uma fonte de energia, infelizmente, necessária por muito tempo até que seja substituída. Uma boa parte dos recursos que vêm daí deve ser destinada para pesquisa, inovação tecnológica, investimentos que nos levem à superação dessa energia. A ideia de que o petróleo do pré-sal vai ser exportado, como se não tivesse problema, porque não vai ser utilizado aqui, é uma falta de compreensão do problema. Não importa onde aconteçam as emissões de CO2, o planeta é o mesmo.

CC: Como vai rebater a crítica de que é uma candidata monocórdica, que só tem propostas para o meio ambiente?

MS: Quando as pessoas falam isso é porque ainda não estão familiarizadas com as conquistas do socioambientalismo dos últimos 30 anos. O desenvolvimento sustentável pressupõe ter propostas com critérios de sustentabilidade para todos os setores da economia, educação, ciência e tecnologia, agricultura. Isso vai ser traduzido num programa de governo. O Partido Verde está promovendo uma forte discussão com vários setores da sociedade, não apenas os partidários, para ajudar nesse processo. Ainda que o sistema seja presidencialista, não é algo que sai da cabeça da pessoa, sozinha. Agora, se as pessoas querem um modelo pronto e acabado, só temos o que tivemos com o modo de produção asiático, o feudalismo e o capitalismo. Não existe uma referência em lugar nenhum do planeta para o modelo de desenvolvimento sustentável. É uma tarefa a ser construída por líderes que tenham compromisso ético com os que ainda não nasceram.

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'' Infelizmente, o petróleo será uma fonte de energia necessária por muito tempo.Boa parte dos recursos do pré-sal deve ser usada em pesquisas que nos levam a superação dessa energia''

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